PROF. FELIPE AQUINO

Por que a Igreja nos convida a viver a penitência quaresmal?

Após ter sido batizado no Rio Jordão por João, Jesus foi conduzido pelo Espírito Santo ao deserto para enfrentar satanás (cf. Mt 3, 13-17. 4,1-11). Este havia vencido Adão e Eva no Paraíso e dominado a humanidade. Jesus agora, como o “novo Adão”, vai enfrentá-lo para resgatar a humanidade para Deus. E a luta é contra a tentação e o pecado. Jesus o venceu com jejum, oração e a Palavra de Deus, a qual Ele lançou três vezes no rosto de satanás, fazendo-o recuar. E assim o Senhor nos ensinou como vencer o mal e pecado.

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A Igreja aprendeu com Jesus, nesses quarenta dias, a fazer penitência para vencer a tentação diabólica, aquilo que São João chamou de “concupiscência”, a atração ao mal que o pecado original deixou em nós e que o tentador provoca para nos separar de Deus, o nosso Criador e meta.

O Catecismo da Igreja Católica (CIC) nos lembra que: “Aos olhos da fé, nenhum mal é mais grave do que o pecado, e nada tem consequências piores para os próprios pecadores, para a Igreja e para o mundo inteiro” (CIC § 1.488). E recomenda o sacramento da confissão, o meio ordinário que Jesus nos deixou para a nossa santificação.

Michel Quoist, no seu clássico “Construir o homem e o mundo”, afirma que “a beleza da matéria depende da quantidade de espírito que penetra”. A Pietà, de Michelangelo, é bela porque a beleza da arte espiritual a moldou. Contudo, nós somos materiais e a nossa natureza decaída pelo pecado é atraída pela matéria, que sufoca o espírito e nos faz agonizar pelo pecado.

Por essa razão é preciso que o espírito domine a matéria, que a alma não seja sufocada pelas paixões desordenadas e pelos maus desejos do coração. O que exige de nossa parte autocontrole, temperança, domínio próprio, e tudo isso é dom do Espírito Santo. O livro dos Provérbios diz que “vale mais um homem que se domina a si mesmo do que aquele que conquistou uma cidade”.

Esses quarenta dias de Quaresma, que devem ser feitos com jejum, esmola  e oração, aos quais a Igreja chama de “remédios contra o pecado”, têm a finalidade de “colocar o espírito acima da matéria”; a alma dominando o corpo; a alegria superando o prazer.

Essas práticas espirituais não são um fim em si mesmas, mas apenas meios que nos ajudam a fazer a vontade de Deus; este é o objetivo. O  fim é a santidade, a penitência é um meio.

E qual a penitência que devemos fazer? Ora, aquela que você precisa. Qual o remédio que o médico prescreve ao enfermo? Aquele que cada doente precisa, dependendo de sua doença; não são todos iguais.

Por essa razão, cada um deve fazer a mortificação de que mais precisa. Se você é maledicente, então feche a boca; se você é glutão, então jejue; se você é apegado aos bens e ao dinheiro, então dê esmolas e abra a mão. Da mesma forma, se você não gosta de rezar, ponha-se de joelhos e vá à igreja mais vezes. Se você é orgulhoso, se cale e se esconda; se você é irado, perdoe com mais vontade… Entendeu? Cada um deve perguntar a si mesmo diante de Deus: “Que pecados eu tenho? Que penitência eu preciso fazer?” A primeira delas será o jejum do pecado.

São Paulo insistia: “Em nome de Cristo vos rogamos: reconciliai-vos com Deus!” (2 Cor 5, 20); e “exortamos-vos a que não recebais a graça de Deus em vão. Pois ele diz: Eu te ouvi no tempo favorável e te ajudei no dia da salvação (Is 49,8). Agora é o tempo favorável, agora é o dia da salvação” (2 Cor 6, 1-2). Não deixar passar a graça de Deus em vão.

Quaresma é um tempo de rever a vida e abandonar o pecado. Quais? O orgulho, a vaidade, a arrogância, a ganância, a pornografia, o sexo fora do lugar, a gula, a ira, a inveja, a preguiça, a mentira, a maledicência, entre outros. Enfim, viver o que Jesus recomendou: “Vigiai e orai, porque o espírito é forte, mas a carne é fraca“.

Não é um tempo de tristeza; ao contrário, pois com essas práticas espirituais a alma fica leve, feliz e livre dos seus males. Santo Agostinho dizia: “Os teus pecados são a tua tristeza; deixa que a santidade seja a tua alegria“. A verdadeira alegria brota no bojo da virtude.  “O pecador não suporta a si mesmo“, também afirmava o santo e doutor da Igreja.

Já que a Páscoa é a grande solenidade litúrgica: a celebração da Ressurreição de Cristo e a nossa vitória, pela qual Ele nos libertou do pecado e da morte, a Igreja quer que nos preparemos com seriedade para celebrar a nossa libertação e poder colher os seus frutos. Sem uma alma preparada e livre dos pecados, Deus não pode nela habitar e não podemos receber as imensas graças dessa celebração. Daí toda a importância de viver bem a Quaresma, esse tempo de graça em que o Coração de Jesus está mais aberto ainda, derramando sobre nós o Seu perdão.

Professor Felipe Aquino
Escritor, pregador católico e apresentador do programa ”Escola da Fé”