O ASSUNTO É FAMÍLIA

A sacramentalidade do matrimônio

Antropologicamente, sacramentos são símbolos de comunicação. É por intermédio de sinais sensíveis que o ser humano se comunica. Um aperto de mão, por exemplo, é mais do que um gesto físico, é um sinal que expressa amizade.

Na realidade, as coisas criadas possuem uma aptidão sacramental teológica, pois todas são sustentadas pelo Espírito de Deus. Diz o salmo 104: “Se envias o teu espírito, tudo será criado. Se retiras o teu espírito, tudo volta ao nada”. Além disso, segundo São Paulo, tudo foi criado em vista de Cristo (cf. C1 1,17-18; 1Cor 8,6). Foi, pois, com muita naturalidade que a Igreja Apostólica tomou elementos comuns da criação, alguns transformados em cultura pela atividade humana, e fez deles sacramentos eclesiais. Se o pão, o vinho, o óleo e a água podem tornar-se matéria dos sacramentos, é porque todos os elementos da criação possuem uma aptidão sacramental.

O matrimônio é um sacramento eclesial. Tornando-se assim matrimônio “no Senhor” (cf. 1Cor 7,39) e na Igreja (cf. Ef 5,28-32), ele encontra o seu sentido pleno no amor pascal de Cristo. A afirmação de Cristo “Amai-vos uns aos outros como eu vos amei” (Jo 15,12) é a participação por nós. Significa consumir a própria vida (“perder a vida”, na expressão do Evangelho) no amor oblativo ao próximo. Portanto, o sacramento do matrimônio insere a união do homem e da mulher no amor pascal de Cristo e faz dele uma comunidade nova.

Uma vez que todo sacramento é também compromisso, pois a fé é condição e contexto de sua celebração, “unindo-se no Senhor” homem e mulher, no amor pascal de Cristo, faz dele uma comunidade nova. Uma vez que todo sacramento é também compromisso, pois a fé é condição e contexto de sua celebração, “unindo-se no Senhor”, homem e mulher se comprometem a viver a realidade matrimonial tendo como paradigma o amor pascal de Jesus.

A Carta aos Efésios (cf. 5,21-23) descreve concretamente o que isso significa: assim como Cristo ama e santifica a Igreja e dela cuida, assim devem os esposos relacionar-se mutuamente. O matrimônio – sacramento eclesial – é, pois, missão de santificação mútua e, enquanto ulterior articulação do compromisso batismal, ele é, ao mesmo tempo, missão com relação à família, à Igreja e ao mundo. É, por essência, uma união aberta à missão. A propósito da missão evangelizadora da família ensina a Exortação Apostólica Familiaris Consortio, no número 2, de João Paulo II: “A família cristã, de fato, é a primeira comunidade chamada a anunciar o Evangelho à pessoa humana em crescimento e a levá-la, através de uma catequese e educação progressiva, à plenitude da maturidade humana e cristã”.

Todo sacramento é gesto da Igreja, corpo de Cristo, e, de certo modo, prolongamento de sua humanidade salvífica. Como membros de Cristo pelo batismo, homem e mulher se unem para formar “uma só carne”, isto é, uma união profunda. Consequentemente, um deve ser para o outro instrumento de santificação. Sua união em todos os aspectos (“uma só carne”) é gesto da Igreja, instrumento da graça. Nesta perspectiva, São Paulo chega a afirmar que um cônjuge não crente é santificado pelo cônjuge crente (cf. 1Cor 7.14) e que os filhos do casal cristão já nascem santificados, ou seja, destinados a se tornarem, pelo batismo, membros da Igreja, Corpo de Cristo.

A encíclica Casti Connubii, no número 42, de Pio XI, afirma que o matrimônio é, à semelhança da Eucaristia, um sacramento permanente. A comparação necessita de uma explicação. Uma vez realizado o sacramento, a eficácia desta celebração dura perpetuamente. Trata-se do elo conjugal presente da comunidade de vida e amor dos esposos. Em outras palavras, a ação do sacramento prolonga-se no vínculo matrimonial e na comunidade de vida. Isso mostra que o matrimônio não é uma realidade estética. É projeto de vida. É tarefa a ser aprofundada a cada dia.

A meu ver, a categoria bíblica de “aliança” permite compreender, de modo mais profundo, o conteúdo e o sentido do sacramento do matrimônio. Inclusive, lança nova luz sobre suas propriedades essenciais: unidade, indissolubilidade e totalidade. É na perspectiva da nova aliança de Deus com a humanidade, realizada na morte de Cristo na cruz e na Sua Ressurreição, que São Paulo apresenta a sua reflexão sobre o matrimônio cristão: “Maridos, amai vossas mulheres como Cristo amou a Igreja e por ela se entregou” (Ef 5,25).

No mundo oriental, muitas vezes, as pessoas realizam a aliança colocando as mãos em um vaso cheio de sangue. Este rito simboliza a comunhão de vida formada pela aliança. É por isso que o Deus da aliança é chamado Esposo pelos profetas. O próprio Cristo, que veio concluir a nova aliança com a humanidade, se apresentou, nas bodas de Caná, como novo esposo (cf. Jo 2,1-20). Sua aliança é o protótipo da aliança entre o homem e a mulher no matrimônio.

Nessa perspectiva, a indissolubilidade do matrimônio não deve ser considerada como uma exigência exterior, mas um imperativo que nasce da própria natureza da união conjugal: ela é uma aliança, doação total e definitiva, expressa verbalmente e consumada pela comunhão dos corpos. Ao proclamar, pois, a lei evangélica da indissolubilidade do matrimônio, Jesus não só coloca a união do homem e da mulher na sua verdade original, não só procura proteger o frágil amor humano em suas crises, como também mostra que, na realidade do matrimônio como aliança, o próprio Deus está presente. Em outras palavras, a indissolubilidade proclamada por Cristo como verdade originária não é uma lei externa, mas graça, ou seja, garantia da presença de Deus na aliança matrimonial.

Os diversos movimentos de espiritualidade e apostolado familiar existentes, hoje, na Igreja, constituem uma base de apoio para a vivência da realidade sacramental do matrimônio. A reflexão, a partir do Evangelho, a prática do diálogo, o auxílio fraterno e a revisão de vida são características comuns de espiritualidade missionária a ser expressa nos quadros paroquiais, no ambiente de trabalho, no apostolado com os jovens noivos e recém-casados, no trabalho com casais em crise, na pastoral de conjunto. Tudo isso constitui, a meu ver, uma pedagogia de vivência de tudo o que significa a sacramentalidade do matrimônio. Portanto, os valores da família moderna – igualdade, diálogo, intersubjetividade, camaradagem, vida comunitária – encontram em tais movimentos um contexto natural para o seu desenvolvimento e aprofundamento.

Dom Benedito Beni dos Santos
Bispo Emérito de Lorena (SP)