A concepção, a gestação e o puerpério (nascimento do filho) são períodos da vida da mulher que precisam de atenção e cuidados especiais, uma vez que esse momento envolve inúmeras mudanças físicas, hormonais, emocionais, cognitivas, comportamentais e ambientais, as quais podem refletir na saúde emocional da mãe.
Além disso, sabe-se que as experiências anteriores, como a história de vida, os relacionamentos e a situação atual, podem intensificar as alterações provocadas pelas mudanças ocorridas neste período de vida. Por isso a importância deste tema, uma vez que, sabendo destas mudanças e das possíveis consequências negativas, pode-se prevenir, diagnosticar o problema e até mesmo tratar as mulheres com vistas a uma família mais estruturada e feliz.
Sabemos que a maneira como a mãe vive estas mudanças influencia na vivência da maternidade, na sua relação com os familiares, filhos, esposo e com todos ao seu redor e mais precisamente com o bebê. Pesquisas recentes têm sugerido que estresse e humor deprimido, vividos na gestação, têm impacto no desenvolvimento do filho in útero, o que, após o nascimento, pode trazer mais sofrimento para a mãe e o filho.
Muitos especialistas têm se voltado cada vez mais para este momento, pois vê-se nele a possível emergência de realização pessoal, mas, sobretudo, também possibilidade de sofrimento. A gravidez pode desencadear crises emocionais, mas também pode inaugurar um novo momento de vida trazendo amadurecimento pessoal. De tal modo, a gestação é um período de transição na vida de uma mulher que constrói novos aspectos da sua identidade. É uma mudança sem igual, a partir da primeira gravidez ela se torna mãe, este novo papel traz novas rotinas e reajustes, novos comportamentos e responsabilidades. A gravidez é um momento de importantes reestruturações na vida da mulher e, portanto, nos papéis sociais que ela exerce.
Neste sentido a mãe olha para o mundo, para a vida e precisará se posicionar de maneira diferente a partir desse momento. Podemos perceber mudanças até mesmo quanto aos aspectos da personalidade, muitas mulheres mudam a percepção a respeito de si, do futuro e do mundo. São, muitas vezes, alterações quanto aos conceitos mais profundos, alguns até mesmo rígidos.
Nota-se que, em cada gestação, a mulher tem a oportunidade de escolher uma vida mais estruturada, pois precisa cuidar de uma pessoa.
O amor é uma atitude de doação, uma decisão de entregar-se. E, na verdade, o amor não pode ser transferido. Não é possível pedir a alguém que ame por nós. O amor materno não é o mesmo, ele também cresce e segue um caminho, assim como a gestação. À medida que o filho se desenvolve ele também amadurece. O amor é muito real, uma mãe pode entregar-se cada vez mais com o passar dos dias e anos; e a quantos sacrifícios ela estará disposta!
Existem fatores de risco na vida que podem propiciar crises e ou transtornos neste momento: história de vida traumática, história da sua própria gestação e relação com a mãe, histórico de depressão ou de ansiedade, abuso sexual na infância, história de depressão pós-parto, gravidez precoce, gravidez não planejada, não desejada ou não aceita, ser mãe solteira, ter pouca assistência social, conflitos familiares, dificuldades financeiras sérias, a separação do filho no nascimento, mudanças físicas, utilização de substancias tóxicas, entre outros.
Neste sentido, existem registros de situações de vida, memórias arquivadas de eventos que, muitas vezes, aparentemente não influenciam, mas que podem emergir nesse período e gerar diversas crises. Muitas memórias constroem nossa forma de pensar e, portanto, muitos conceitos que possuímos, se forem registros negativos, principalmente aqueles que geraram em nós desamor e sensação de abandono, podem provocar em nós autoimagem distorcida, pensamentos de incapacidades, inseguranças, dificuldade de demonstração de afeto, como também dificuldade para aceitar a gravidez ou mesmo o nascimento do filho.
Sabe-se que a história da própria gestação e a relação com a própria mãe vai influenciar a percepção e a vivência da maternidade da gestante. Entre outras situações, o abandono do pai, a solidão e o afastamento da família e amigos são tidos também como causas de processo de sofrimento.
Apesar de todos os pontos levantados aqui, que indicaram os muitos pontos geradores de sofrimento, sempre existe esperança. A gravidez é um momento de espera, e a palavra “esperar” está relacionada à esperança. Todo ser é único, irrepetível e insubstituível. Então sempre a vida é maior do que os problemas, maior que as crises, ela tem o poder curador, tem o poder de transformar, de refazer, de reestruturar.
O nascimento é a boa notícia de uma nova vida, vida que surge e traz vida à mãe. Existem relatos de mulheres que viveram muitas situações de risco, propícias para desencadear crises e transtornos como os narrados anteriormente, que, ao saberem da gestação, tinham muitos motivos para se entregar ao sofrimento. No entanto, o amor ao filho lhes possibilitou nova vida, trouxe-lhes esperança, e com esta a decisão de ir além do sofrimento e de ver, nesse momento, uma missão que não poderiam transferir.
Sobretudo, Deus deu à mulher o direito de participar da criação. A concepção e a gestação que acontecem dentro dela é um presente! É um mistério carregado de amor.
Graças à concepção e à gestação no seu próprio corpo, a mulher e, somente ela, pode vivenciar semelhante experiência de amor e de doação vividas pelo Criador de forma tão profunda. É, portanto, divino o direito de ser mulher e mais ainda: o de ser mãe, pois o filho nos oferece a oportunidade de amar como nunca pudemos ou conseguimos. O nascimento de um filho pode marcar mudanças radicais e até um crescimento interior se a mulher o permitir, pois a tendência é ser uma pessoa antes, outra durante e principalmente uma nova pessoa depois do nascimento de um filho.
Como explicar algo diferente de tudo que vivemos? Um momento emocionalmente feliz e, muitas vezes, assustador. A experiência da gestação, apesar de ter pontos comuns para toda mulher, tem algo de único, cada pessoa o viverá de forma individual.
Ainda me lembro da notícia da minha primeira gravidez. Era como se não houvesse ninguém além de mim, e a partir daquele momento não estaria mais só, e com o passar dos meses os movimentos do bebê anunciavam que eu estava acompanhada. Companhia que trazia alegria, satisfação de abrigar comigo um ser que trazia um pouco de mim e, assim, a minha herança para o mundo. Mas também existia a angústia do desafio de ser mãe. Nunca se deixa de ser mãe. A mãe vive na memória do filho e acredito que nem a morte pode apagar isso.
Muitas vivências podem surgir: Alegria, dúvidas, ansiedades, depressões, fuga de convívios, expectativas boas, responsabilidade, sentimentos de solidão, medo do futuro, desejo de ser cuidada, vontade de cuidar, muitas são as experiências maternas, do novo, do filho vir com alguma alteração, das finanças, de dar conta da educação. E se houver dificuldades no meio familiar, então, os medos e a carência são intensificadas. No meu caso vivia um ambiente familiar estruturado. Posso imaginar quando a mulher vive sozinha este momento, quando é abandonada, quando o pai não se responsabiliza, posso entender as angústias vividas pelas mulheres que estão com dificuldades financeiras e conflitos conjugais.
Eu vivi 3 abortos espontâneos e hoje tenho 3 filhos maravilhosos para eu cuidar, que mudaram minha vida! Eu era imatura para a minha idade e no meu matrimônio. Primeiro vivi um aborto que me ensinou valorizar a vida, lembro-me de que fiz um exame que acusou a morte do feto, minha médica estava fora e por isso fiz a opção da curetagem quando ela retornasse. Passei o fim de semana com o meu filho morto dentro de mim, e pude entender como a vida é importante. E então a minha primeira filha nasceu, Maria Júlia, minha moreninha, depois mais 2 abortos espontâneos e enchemos o céu de oração, logo depois, após tanta espera, nasceu minha dourada, Ana Clara. Aos 43 anos tive uma surpresa: nasceu meu lindo e sapeco João Miguel. A cada nascimento eu chorei e percebi, de forma muito intensa no meu corpo, o valor da vida.
Eu experimentei com o nascimento dos meus filhos que estava fazendo um contrato que não teria volta, era para sempre, para o resto da vida. Não existe amor igual! A cada nascimento eu percebi que meu rosto mudou, eu amadurecia. Hoje sei também, com a experiência no consultório, que não necessariamente esta vivência de amor e doação só é realizada por uma mãe biológica, pelo contrário, na adoção vive-se extrema entrega e amor.
Já ouvi pessoas aconselharem as mães: não se entregue tanto, seu filho não deixará de fazer nada por você, ele um dia seguirá o seu caminho! Mas eu penso que ser mãe não depende do quanto o filho será capaz de amar, a mulher se decide pela gravidez não porque terá o filho para cuidar dela, mas porque ela precisa amar, a alegria de uma mãe não se refere à expectativa de ser amada e, sim, de amar.
Nós somos mães para amar! Muitas mulheres foram curadas por causa deste amor. O amor cura! Entre vários motivos, o amor nos faz ter clareza dos valores e por isso encontramos o sentido até mesmo diante de sofrimentos.
O que é viver bem a gestação e nascimento?
Viver bem a gestação, não significa ser 100% feliz, não ter nenhuma alteração, mas, é sobretudo, escolher ser mãe, decidir-se pelo amor é se responsabilizar-se pelo outro. É ser realista e otimista. É antes olhar para frente com um propósito.
Como viver este momento especial o mais estruturada possível?
O melhor é prevenir, buscar a resolução de problemas emocionais antes mesmo da gestação, isto é, planejar uma gestação. Se existe histórico de depressão, ansiedade e de outro transtorno o melhor a se fazer é buscar ajuda de um bom profissional. Podemos também avaliar a situação financeira e também da relação conjugal, assim encontrar o melhor momento para ser mãe. Se necessário, busque tratamento psiquiátrico para a utilização da medicação indicada.
No entanto, se não foi possível a prevenção, se a gestação foi inesperada, se desencadeou dificuldades e a gestante está passando por crises, é importante buscar ajuda para fazer terapia específica para este momento.
Responsabilizar-se pelo filho, olhar a vida com gratidão, fazer um processo de perdão se for necessário, buscar momentos felizes e fugir de pensamentos pessimistas e catastróficos são atitudes que podem minimizar os sofrimentos.
Em geral, exageramos no tom que damos ao negativo ou ao desprazer, o mais importante neste momento é fazer a experiência de olhar a vida com propósito de encontrar um sentido. Mesmo diante de sofrimentos podemos encontrar um valor para o momento em que estamos vivendo.
Quero aqui contar um caso: um dia uma mulher procurou o consultório porque estava com depressão, estava já com idade avançada e dizia que a vida não tinha mais sentido, sentia que não tinha mais um para que viver. E relatava um vazio muito grande, pois estava velha e sem nada importante para realizar. Sentia-se desanimada, desejando não existir, triste, sem perspectiva de futuro, olhava para si com pensamentos de incapacidade; a vida profissional havia passado, e agora teria tempo e o que iria fazer com esse tempo. Relatou um casamento conflituoso, uma vida solitária.
Então olhei para ela e disse: você deve ter mesmo motivos de sobra para morrer, novamente olhei nos olhos dela e perguntei: “Por favor, tente encontrar, em meio a essa tragédia toda, algo que seja o melhor que você tenha vivido, algo que tenha valido a pena”. Ela parou e me disse: “Meus filhos. Não tenho dúvidas de que os meus filhos”. Perguntei novamente: “Ainda vale a pena viver por eles como você fez um dia?” Ela disse sem hesitar: “É somente por eles que vivi minha vida inteira”. E indaguei-lhe: “E isso perdeu o peso agora?” Frisei: “Engraçado, nunca se deixa de ser mãe, não é? Como você deixará de sê-lo?”.
Olha o sentido da vida não está somente no que precisamos realizar, mas em algo que julgamos ter sido importante e nossa missão, algo que realizamos nos faz entender como somos importantes. Ela me respondeu: “É verdade, de todas as coisas que fiz na vida, desempenho profissional, compras, pessoas com quem me envolvi, nada é mais importante do que vivi com meus filhos, desde os primeiros momentos em mim. Eu me senti importante. Não posso desistir, não é?”
Este caso de uma senhora pode nos ajudar a entender que não podemos nos perder, nos distrair do essencial: nossa maternidade. Temos os filhos para sermos curadas não pelo amor que receberemos, mas sobretudo pelo amor que ofereceremos.
A seguir algumas dicas para viver bem este momento:
– Viva momentos diários de intimidade com Deus
– Perdoe sempre que necessário
– Nunca recuse ajuda
– Deixe-se ser cuidada
– Permita-se ser amada
– Permita a participação do pai
– Faça tratamento psicológico se necessário
– Pense o melhor possível e fuja dos pensamentos catastróficos
– Fuja do estresse
– Descanse sempre que precisar
– Alimente-se de forma saudável
– Faça atividade física
E, por fim, existe uma receita sem erros para vivermos bem a concepção, a gestação e o nascimento: saber que Deus é nossa companhia sempre. Ele é o centro da nossa existência. Ele pode mudar nossa percepção do mundo e da vida.
Maria Luiza da Silva Medeiros
Psicóloga
Pós-Graduada em Neuropsicologia
Pós-Graduada em Psicoterapias Cognitivas